Íntegra da manifestacao do Coordenador do Projeto de Frigorificos na ALESC
Boa tarde a todos e a todas !
Em nome do Ministério Público do Trabalho eu gostaria de parabenizar a Excelentíssima Dep. Luciane Carminatti e o Excelentíssimo Dep. Neodi Saretta proponentes desta audiência pública, e ao faze-lo saudar todos os ilustres participantes deste importante evento.
Estamos vivenciando, em razão da pandemia de Covid-19, o maior colapso da saúde pública e possivelmente a maior crise sanitária da história deste país, com a média móvel de 2.500 mortes ao dia e possibilidade de chegarmos a 500 mil óbitos.
Lamentavelmente, o Brasil corre mais um risco, o de possivelmente entrar para a história como o primeiro e único pais, que estando no pico e no epicentro mundial da pandemia, ao invés de ampliar a proteção a saúde em frigoríficos, caminha para supressão das pausas previstas no art. 253 da CLT, objeto da PL 2.363/11 que está na pauta de votação do dia de amanhã (30/03/21), na Comissão de Trabalho.
Os frigoríficos e empregam cerca de 530 mil pessoas no Brasil, e mais de 85 mil no Estado de SC, e apesar dos avanços obtidos nos últimos 8 anos quanto a melhoria das condições de trabalho, ainda figuram como a atividade industrial que mais geram acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Em cada um dos anos de 2007 a 2019 este é o cenário, segundo dados do Anuário de Acidentes de Trabalho da Previdência Social.
Em apenas 8 meses, foram necessários expedirmos 2 Notas Técnicas sobre a matéria, a primeira em julho de 2020, em face a MP 927 e a segunda ainda este mês, em face o referido Projeto de Lei.
Esta Casa Legislativa, quando da tramitação da MP 927, aprovou em julho de 2020, Moção contra a alteração do art. 253 da CLT, ser inadmissível que se aproveitem desse momento doloroso e altamente nocivo à saúde de todas e todos para aprofundar ainda mais a retirada de direitos trabalhistas.
A aprovação do PL 3.263/11 resultaria que somente os empregados de setores com temperaturas inferiores a 4º C ou que movimentam temperaturas com variações de 10º C teriam direito as pausas térmicas, isto equivale dizer, que mais de 95% dos empregados em frigoríficos não teriam direito a qualquer descanso térmico.
Teríamos o seguinte cenário, mesmo com a manutenção das pausas da NR 36, empregadas, dentre as quais gestantes, poderiam trabalhar até 10 horas diárias, em ambientes com temperaturas de 4,5 a 5º C, sem absolutamente nenhum tipo de intervalo para recuperação ao frio.
Tal cenário, lamentavelmente já é conhecido de todos nós, e remonta a 2007 quando o Canada exigia nos contratos comerciais mantidos com o Brasil temperaturas inferiores a 10ºC nas salas de cortes e os frigoríficos ainda não tinham implementado as pausas do art. 253 da CLT
Estudos apontam que em um frigorífico de aves cerca de 66%,4 dos trabalhadores apresentaram temperaturas inferiores a 15 C° nos dedos das mãos, quando deveriam ser superiores a 24ºC.
Exposições inferiores a 15 °C só poderiam ocorrer ocasionalmente, pois a destreza, a força e a coordenação são afetadas, gerando dor e aumento de acidentes de trabalho.
Em um frigorífico de suínos 66% dos trabalhadores sentiam frios nas mãos. Em outro frigorífico de aves, a maioria dos trabalhadores vestia três luvas e 61% sentiam frio nas mãos.
Pesquisas recentes apontam que não houve diferença entre as mãos direita e esquerda, verificando-se que a maioria dos trabalhadores percebia ambas as mãos geladas e frias.
A ACGIH sugere que ambientes com temperaturas inferiores a 4ºC são necessariamente insalubres, mas evidentemente em ambientes com temperaturas superiores a 4º os fatores de risco como o frio devem ser devidamente analisados.
Os frigoríficos fazem monitoramento diário e constante da temperatura dos produtos e dos ambientes, mas são extremamente raros aqueles que avaliam as temperaturas corporais dos trabalhadores ou entrevistam os empregados sobre a sensação de frio, sendo que as vestimentas atualmente utilizadas em frigoríficos estão longe das adequadas.
Sem sombras de dúvidas, a aprovação, o PL ou da redução dos direitos assegurados na NR 36, nos levará a explosão de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho, e retornaremos a observar “uma legião de lesionados, consoante restou consignado em decisão liminar prolatada pela Excelentíssima Juíza do Trabalho Desirre Dorneles, na ACP de nº 01839-2007-055-12-00-2, no longínquo ano de 2007.
Também verificaremos elevadíssimo aumento de ações trabalhistas sobre doenças ocupacionais e sobre o pagamento de adicionais de insalubridade.
Após a aprovação da Súmula 438 do TST, que trata do art. 253 da CLT, em 2012 e da NR 36 em 2013, marcos regulatórios que configuram verdadeiro subsistema de defesa da saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos, tivemos uma redução substancial de acidentes de trabalho e adoecimentos ocupacionais.
Muitas empresas avançaram na implementação de pausas, adequação do ritmo de trabalho, proteção de máquinas e equipamentos e na implementação de medidas adequadas de deslocamento de cargas e recentemente diversas empresas adotaram medidas de proteção à Covid-19.
È fundamental que este esforço das empresas seja reconhecido.
Muitas empresas tem clareza que a NR 36 se constitui um equilíbrio sensível que as beneficia e assegura a saúde de seus empregados e que não deve ser alterada.
A NR 36 foi uma construção coletiva e fruto de amplo debate.
Não foram acolhidos por exemplo, redução do tempo de exposição para 7h20min e distanciamente mínimo de 1,5 metros, o que no atual quadro da pandemia seriam de inequívoca efetivamente para evitar a transmissão da Covid-19 em frigoríficos.
Outras empresas buscam a redução de gastos, em detrimento da saúde das trabalhadoras e trabalhadores em frigoríficos.
A história do trabalho em frigoríficos já demonstrou a capacidade limitada de auto regulação das empresas do setor, tornando-se fundamental marcos regulatórios adequados, dentre os quais o art. 253 da CLT e da NR 36, com a manutenção dos patamares atualmente estabelecidos
O documentário “Carne, Osso”, produzido em 2011, pela Repórter Brasil, com apoio da ANAMATRA e da ANPT, traz um fiel relato do trabalho em frigoríficos.
Diante do PL 3.263/11 o seguinte dilema se impõe: Seria o “Carne, Osso” um registro histórico ou o cenário futuro das relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros ?
Para encerrar eu trago um retrato de 2007 em ACP ajuizada pelo MPT de onde extraio textualmente os seguintes depoimentos de trabalhadoras:
eles deveriam melhorar a temperatura, que está frio demais. Não é fácil para agüentar na sala de corte...” (fls. 72). “...aqui é frigorífico, mais nós não somos pingüins, pode botar três meias, mais o pé continua congelado e as mãos estão ficam dormente que não sente os dedos” (fls. 279). “...está muito frio, está um inferno...” (fls. 282). “Temos que reduzir o ritmo de trabalho, por que nós não somos robô, somos seres humanos.” (fls. 395). “...estou abaixo de remédio, já estou dopada de tanto tomar remédio para a dor, me ajudem” (fls. 255). Estamos sendo torturados dentro da empresa....” (fls. 285)
São relatos muito tristes e de muito sofrimento nas relações de trabalho !
Mas ainda se faz necessário lembra-los.
É fundamental lembrar a história para não repeti-la !
Lembrar para não repetir é um imperativo ético, político, cultural e constitucional em defesa da vida e do trabalho decente !
Muito obrigado!
Florianópolis, 29 de março de 2021.
SANDRO EDUARDO SARDÁ
Procurador do Trabalho
Coordenador do Projeto de Frigoríficos