MPT-PR processa JBS em R$73 milhões
Trabalhadores da unidade Big Frango, em Rolândia (PR), eram submetidos a jornadas de até 18h, ritmo de trabalho até três vezes superior ao adequado, 85% trabalham sentindo dor e quase 50% sentindo frio
Assista a matéria sobre a Força Tarefa "Grande Escolha" que deu origem a ação: http://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2015/05/frigorifico-e-parcialmente-interditado-no-pr-por-causa-de-irregularidades.html
Londrina - O Ministério Público do Trabalho no Paraná (MPT-PR) em Londrina ajuizou hoje (3) uma ação contra o frigorífico Big Frango, unidade da JBS em Rolândia (PR).
O procurador do trabalho responsável pelo caso e autor da ação, Heiler Natali, pede R$73,4 milhões como indenização por danos morais coletivos por irregularidades como desrespeito aos limites de duração do trabalho, intervalos e descanso semanal remunerado; meio ambiente de trabalho (ruído excessivo, máquinas e equipamentos inadequados, falta de EPIs); falta de emissão de CATs e vigilância médica falha; falhas no sistema de refrigeração por amônia; falta de depósito de FGTS e indenização compensatória de 40% e irregularidades no pagamento de férias. O frigorífico abate diariamente em torno de 350 mil frangos e emprega aproximadamente 4,5 mil trabalhadores.
O valor equivale a apenas 20% dos R$ 366,8 milhões de reais que a JBS doou para campanhas políticas nas últimas eleições. A empresa é a maior do mundo em seu segmento e faturou R$ 120 bi apenas em 2014. Além da indenização por danos morais, o MPT-PR requer liminarmente o atendimento das demandas e regularização das situações apontadas em prazos que variam entre o imediato e 12 meses. Para os descumprimentos, pede multas entre R$5 mil e R$10 mil para cada obrigação descumprida, multiplicada pelo número de empregados afetados pelo seu descumprimento.
Jornadas de trabalho chegavam a 18h consecutivas
"A JBS chegou a submeter, a pretexto do lucro a qualquer preço, seus empregados a jornadas de até 18h, ao trabalho por semanas a fio sem nenhum repouso e com intervalos entre jornadas que chegavam a patamares inferiores a 4h", alega Natali. Nos dois meses de registros analisados foram encontrados 75 registros de jornadas acima de 15h e 5.420 em um único mês acima de 10h. A prestação de horas extras em atividades insalubres é vedada pela CLT, motivo pelo qual os trabalhadores não poderiam laborar por período superior a 8h diárias. No entanto, mais de 70 mil vezes nesses dois meses ocorreu labor extraordinário em atividade insalubre. Também foram registradas 20 ocorrências de intervalos entre jornadas iguais ou inferiores a 8h, sendo que os trabalhadores têm direito a pelo menos 11h de intervalo. Em 423 ocasiões a JBS não concedeu aos trabalhadores o direito ao descanso semanal remunerado, sendo que há um caso de um trabalhador que laborou 39 dias de forma contínua. "Tamanho nível de exploração humana era incomum mesmo nos idos do século 18, em pleno fervor da Revolução Industrial, quando não havia direitos tutelares do trabalho para garantir um mínimo de respeito e dignidade a quem trabalha", completa.
Trabalhadores abatidos: exaustão, frio, dor e vidas em risco
À época da força-tarefa, 51 máquinas foram interditadas pelo MTE por oferecerem risco à saúde e segurança dos trabalhadores. "Verificou-se que a maioria das máquinas e equipamentos em operação apresentava alguma irregularidade, sendo que 51 máquinas ou equipamentos apresentava riscos graves e iminentes à integridade física dos empregados (...). As máquinas e equipamentos apresentavam grande risco de corte/amputação, esmagamento, cisalhamento e agarramento/puxamento de segmentos corporais, devido à inexistência ou falta de sistemas de segurança instalados para impedir o acesso às zonas de perigo das máquinas durante o funcionamento dela", informa o relatório geral de fiscalização emitido pelos auditores fiscais.
A ergonomia também é motivo de preocupação. Uma pesquisa feita durante a força-tarefa com aproximadamente 400 trabalhadores revelou que 52,9% deles tomaram remédios ou aplicaram emplastos ou compressas para poder trabalhar; 84,4% disseram sentir desconforto durante o trabalho, como dor, formigamento ou perda de força; 38% disseram sentir dor forte na realização de suas atividades; 49,6% dos trabalhadores relataram sentir frio durante a realização de suas atividades; e ao final de um dia de trabalho 75,4% dos trabalhadores se declararam cansados, muito cansados ou exaustos. Não é à toa que dois em cada três trabalhadores que integram os quadros da Big Frango não ultrapassam a barreira de um ano de contrato
"As principais causas de adoecimento decorrem da submissão dos empregados a um ritmo completamente incompatível com a condição humana, a necessidade de adoção de posturas extremas para realização de determinadas atividades e a utilização de força excessiva, por vezes conjugada com postura irregular e associada a frequência elevada", avalia o procurador do trabalho Heiler Natali. "A JBS submete seus trabalhadores a um ritmo de trabalho até 5 vezes superior ao limite considerado seguro", completa. Os trabalhadores chegam a retirar 60 corações por minuto, para isso fazendo 120 ações técnicas; também posicionam 65 asas de frango na máquina, fazendo para isso 130 movimentos por minuto, sendo que, de acordo com as principais referências em ergonomia para ritmo estabelecem o limite de 30 ações técnicas por minuto, por trabalhador. Em relação a movimentação de cargas, alguns trabalhadores chegavam a carregar um acumulado diário de 30 toneladas, o que equivale a uma carreta cheia até o teto de caixas.
Não apenas a ergonomia e ritmo de trabalho prejudicam a saúde e segurança do trabalhador, mas essas atividades são desempenhadas sem acompanhamento médico adequado - seja para tratar os que já apresentam problemas ou para prevenir doenças futuras. "O mínimo que se poderia esperar do maior grupo econômico do planeta é que possuísse um sistema de diagnóstico precoce de agravos à saúde capaz de amenizar o sofrimento de seus trabalhadores. Infelizmente, nem isso a JBS possui. Os frangos passam por um rigoroso processo de controle de doenças, seguramente muito melhor do que aquele oferecido aos empregados da JBS", critica Natali. "Isto se dá, dentre outras razões, porque a empresa simplesmente não possui a menor ideia de quais postos de trabalho apresentam o maior número de queixas, qual a natureza destas queixas e quais segmentos corporais estão sendo mais exigidos, impossibilitando que medidas possam ser implementadas antes que as queixas evoluam para episódios de adoecimento", completa.
Em 2014, 7,6% do total de empregados da empresa foram afastados por auxílio-doença. A análise da relação de atestados de afastamento da empresa nos meses de janeiro e fevereiro de 2015 revelou que ocorreram 283 afastamentos em janeiro, sendo 59 (21%) deles em função de quadros osteomusculares. Em apenas cinco anos, de 2009 a 2014, é possível que a empresa tenha ultrapassado 1 mil afastamentos com fruição de benefício previdenciário relacionados ao trabalho. Além de custos humanos, isso tem custos para a Previdência. De 2.628 empregados trabalham diretamente vinculados ao processo produtivo de frangos, 433 (16,5%) encontram-se atualmente afastados com fruição de benefício previdenciário. A título de comparação, dos 867 empregados em atividade que não trabalham diretamente vinculados com a produção e higienização, apenas 22 (2,54%) encontram-se afastados. Ou seja, a chance de um empregado adoecer exercendo atividades vinculadas à produção ou higienização é 550% maior do que se exercer qualquer outra atividade.
Amônia até na água
Durante a força-tarefa também constatou-se que o sistema de segurança para caso de vazamento de amônia estava irregular. A JBS subdimensionou o número de sensores em diversos ambientes onde há trabalho, regulou válvula de segurança acima da pressão máxima de trabalho admitida para o sistema ao qual está interligada e permite que pessoas que não se encontram devidamente qualificadas operem o sistema. Como consequência, sujeitou milhares de empregados a risco de intoxicação e morte em caso de vazamento de amônia em larga escala, como ocorreu recentemente em outros frigoríficos no interior do Paraná.
Mas é possível que o vazamento, silencioso, já estivesse intoxicando os trabalhadores. Após sucessivas reclamações de trabalhadores recebidas pelos integrantes da força-tarefa a respeito do gosto da água fornecida nos bebedouros (“lembrando peixe”), o MPT-PR requisitou à Sanepar uma amostra da água. Um parecer técnico da Universidade Estadual de Londrina (UEL) que analisou a amostra coletada revelou que o valor encontrado estava 1.786% acima do limite admitido. Além de não ser potável, o consumo prolongado da água atrai o risco de desenvolvimento de câncer no sistema gástrico, entre uma série de outros problemas.
Empresa acumulou débito de quase R$6 milhões com FGTS em apenas 17 meses
De acordo com a fiscalização empreendida pelo MTE, a Big Frango deixou de efetuar depósitos a título de FGTS entre os meses de agosto de 2013 e dezembro de 2014, causando prejuízos a quase 7 mil trabalhadores. Somente em relação a esse período fiscalizado, o débito para com o FGTS totalizou R$ 5.840.469,55.
Operação Grande Escolha
A ação decorre da Operação Grande Escolha, força-tarefa coordenada pelo MPT-PR de 12 a 15 de maio deste ano e que envolveu também o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), INSS, Receita Federal e Advocacia Geral da União e teve apoio operacional da Polícia Militar e acompanhamento do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Rolândia e Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação. Na época, o MTE lavrou 80 autos de infração e interditou mais de 50 máquinas, além de diversos setores da Big Frango.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social MPT- PR
Reprodução: Assessoria de Comunicação Social MPT- SC
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Publicado em 04/09/2015